terça-feira, 31 de maio de 2011

Enchente fortalece e renova a vida do pantanal brasileiro

Assim como as águas vão e vêm todos os anos, os ribeirinhos se acostumam e aprendem a conviver com as surpresas do dia a dia e gostam.

Um tesouro no coração do Brasil, o pantanal é tão grande que, nele, caberiam pelo menos dois países: Portugal e Bélgica. São 144 mil quilômetros quadrados. O pantanal brasileiro é dez vezes maior que o pantanal argentino. Do lado de cá, a biodiversidade também é grandiosa: o mapa da mina fica bem na divisa dos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

Na região, foram identificadas 95 espécies de mamíferos, 665 espécies de aves, 162 de répteis, 40 espécies de anfíbios e ainda tem uma variedade de peixes maior do que em todos os rios da Europa juntos.

Mas por que os bichos do pantanal argentino são parecidos com os do pantanal brasileiro? O que um tem a ver com o outro? A explicação é dos pesquisadores que consideram o pantanal do Brasil um corredor biogeográfico entre a Bacia do Prata, onde fica Esteros, e a Bacia Amazônica. As espécies se adaptaram por ser uma área alagada, mas as semelhanças acabam aí. Em Esteros, na Argentina, as lagoas são de água de chuva, porque não tem rio por lá. Já o pantanal brasileiro é formado pela água dos rios que nascem no cerrado.

Esse ano, choveu demais nas nascentes e na planície, e os rios Negro e Aquidauana transbordaram ao mesmo tempo, provocando o fenômeno do encontro das águas.

Em março, a repórter Cláudia Gaigher esteve na região, quando até os pantaneiros mais antigos foram surpreendidos pela cheia nas regiões mais altas. A equipe só conseguiu sobrevoar a região do pantanal, porque todas as pistas estavam alagadas. Os animais foram parar na pista. A água subiu muito rápido e não deu tempo de retirar toda a boiada. Chegar até o rebanho ilhado foi uma aventura.

Cláudia acompanhou a luta de peões e fazendeiros para retirar os animais dos pastos cheios d'água. “A gente tem como se salvar, mas o gado não”, disse o peão José Aparecido.

É nessas horas de extrema dificuldade que vem à tona a solidariedade do homem pantaneiro. Quando tem uma comitiva retirando gado e ela passa pelas fazendas, os funcionários acabam ajudando o trabalho dos peões. Uma boiada vai para uma fazenda próxima que ainda não está totalmente ilhada. O fazendeiro emprestou o pasto para que os animais não morram.

“O mais arriscado nesta época é você tomar cuidado para não morrer um peão, ter o apoio da canoa e separa a tropa que é boa na água. Então, os capazes já separamos melhores que são melhores na água, que nadam melhor. E o peão pantaneiro já tem essa habilidade”, aponta o fazendeiro César Queiroz.

No meio dos alagados, Cláudia entendeu o espírito de quem vive no mundo das águas. Parece sofrido, mas a coragem do homem pantaneiro aumenta a cada animal que é salvo. É uma aventura emocionante, mas viver nessa imensidão onde a água pode amanhecer na porta de casa não é fácil.

A repórter Cláudia Gaigher vai até a casa do artesão Vitalino Soares Brito e de Irani Maria de Jesus. E descobre que o casal pesca na porta de casa: “Estamos pegando sardinha, juju, bagre preto, tudo isso”, diz a dona de casa.

Vitalino é pantaneiro, e Irani é mineira. Eles estão casados há mais de 60 anos. Se para ela a cheia assusta, para ele é sinal de fartura. “É bom, porque aumenta o peixe, fica mais fácil. você vê: aqui na porta já estou pegando peixe”, diz o artesão.

Jaqueline tem 5 anos. É a netinha caçula e adora pescar. Pantaneiro já nasce sabendo aproveitar os mimos da natureza e nem precisa esperar muito. Em pouco tempo, ela já consegue vários peixes.

Assim como as águas vão e vêm todos os anos, os ribeirinhos se acostumam e aprendem a conviver com as surpresas do dia a dia e gostam. Vitalino leva a vida na flauta - ou melhor, na viola que ele mesmo faz.

Símbolo do pantanal, o tuiuiú não perde a pose, nem se incomoda com a rodovia que passa embaixo do ninho. É tempo de renovação. Apesar de ser preservado, a vigilância no pantanal tem de permanecer. Nós encontramos couro de jacaré e o que sobrou da espinha dorsal do animal. "Tem pessoas matando jacaré para tirar cauda para comer. Pode ser restaurante, barco de turismo", revela o pesquisador Walfrido Tomas, da Embrapa. Há quase 20 anos, ele estuda os bichos pantaneiros.

Globo Repórter: Mas não tinha acabado essa caça ao jacaré?
Walfrido Tomas, pesquisador da Embrapa: Então, era couro. A demanda era outra coisa. Naquela época, tirava só o colete e jogava o resto todo fora. Agora, não. Você mata o animal, joga todo o resto fora e fica só com a cauda que é a melhor carne dele. Essa é uma preocupação que já começa a existir.
Globo Repórter: Mas não existe uma superpopulação de jacaré?
Walfrido Tomas, pesquisador da Embrapa: Superpopulação na natureza é uma coisa que não existe.
Globo Repórter: Tem quantos jacarés? Vocês têm uma estimativa da Embrapa.
Pesquisador: Nos levantamentos que a gente fez até o início dos anos 2000, está na casa dos milhões. Nossa estimativa mínima de jacarés adultos era de 3 milhões ou 3,5 milhões. A população é abundante, mas não é superpopulação.

Tem mais de seis milhões de cabeças de boi. O pantanal serve como um berçário. Da região, saem muitos bezerros que vão ser engordados em outras fazendas longe da planície. A principal atividade econômica no pantanal é a pecuária, mas para criar gado o pantaneiro teve de se adaptar e entender o sobe-desce das águas.

Depois da bravura do resgate, vem a recompensa. Voltamos à região do Rio Negro. Há menos de dois meses, o pantanal estava completamente alagado. Agora, as fazendas não estão mais inundadas. A água baixou, e aos poucos a vida volta à rotina.

Reencontramos o fazendeiro César Queiroz em uma das 15 fazendas que ele administra no pantanal. Agora, já podemos andar, não precisamos de barco. “Se você olhar para cima, pegou água na copa da castanheira lá em cima. Só ficou a copa das árvores”, diz. “Todas enchentes no pantanal são importantes. Todo ano, tem que encher o pantanal, porque senão ele acaba. O pantanal precisa dessa adubação natural”.

O fazendeiro explica que, conforme as águas vão baixando, o capim chamado de mimoso vai brotando. “É um dos capins que mais engorda o gado o pantanal. Essas são as áreas que agradecem a enchente”, destaca.

Em parte do pantanal, a enchente está indo embora, mas o pantanal não enche todo ao mesmo tempo. Por isso, os animais se adaptaram. Cada espécie escolhe a melhor época para se reproduzir. Agora é a época da reprodução do cervo do pantanal, justamente para quando os filhotes nascerem ter muito pasto, porque a água já secou. Eles andam sumidos. Estão na temporada de acasalamento e fogem para os campos secos.

Globo Repórter: E como está a população de cervo no pantanal? É uma espécie que continua ameaçada de extinção?
Walfrido Tomas, pesquisador da Embrapa: Ela está na lista de ameaçados em vários estados do Brasil, mas a população do pantanal está por volta de 40 mil indivíduos. E essa população tem estado estável. Isso indica que uma população protegida. Praticamente, não existe caça no pantanal, os fazendeiros protegem e não deixam nem peão caçar.

Globo Repórter: Hoje como você se sente quando vê esse pantanal preservado?
César Queiroz, fazendeiro: Como gerente de fazendas e pantaneiro, eu fico cada dia mais feliz, porque eu vejo que o pantanal é o lugar do mundo que está sendo essa beleza que dá para gerar emprego, dá para gerar imposto e dá para se preservar. É um lugar que está dando lucro para o governo, está dando lucro para o dono e está sendo preservado.

Fonte: Globo Repórter

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